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Política Decisão Mantida

TRE-CE Confirma Cassação Histórica: Prefeito e Vice de Santa Quitéria Perdem Mandatos por Conexão com Facção Criminosa oriunda do RIo de Janeiro

Decisão unânime aponta “interferência abominável” de facção criminosa na campanha de 2024, com compra de votos e ameaças. Novas eleições serão realizadas no município cearense.

01/07/2025 às 14h12
Por: Frank Ferreira
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Braguinha tem cassação do mandato como prefeito de Santa Quitéria confirmada pelo TRE-CE. Foto: Reprodução/Redes sociais
Braguinha tem cassação do mandato como prefeito de Santa Quitéria confirmada pelo TRE-CE. Foto: Reprodução/Redes sociais

Em um veredito que marca um precedente gravíssimo na Justiça Eleitoral brasileira, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) confirmou, por unanimidade, nesta terça-feira (1º), a cassação dos mandatos do prefeito eleito de Santa Quitéria, Braguinha (PSB), e de seu vice, Gardel Padeiro (PP). A decisão é resultado de acusações contundentes de abuso de poder político e econômico, com a alarmante constatação de que a chapa teria recebido ajuda direta da facção criminosa Comando Vermelho (CV) para manipular o pleito de 2024.

A atuação do CV, segundo o processo, incluiu desde a compra de votos – inclusive com uso de entorpecentes – até ameaças explícitas a candidatos e eleitores, transformando a disputa eleitoral local em um cenário de intimidação. Além da cassação, o TRE-CE determinou a realização de novas eleições em Santa Quitéria. A defesa dos gestores afastados ainda pode recorrer da decisão.

 

"O Caso Mais Emblemático" de Interferência Criminosa

O desembargador eleitoral Luciano Nunes Maia Freire, relator do processo, não poupou palavras ao descrever a gravidade do ocorrido, classificando-o como o "mais emblemático" e "mais grave" caso de interferência de facções criminosas na tentativa de corromper o sistema democrático. "A Justiça Eleitoral precisa garantir a integridade do sistema democrático", reforçou Maia Freire.

O relator foi categórico ao afirmar que a vontade do eleitor em Santa Quitéria "foi absolutamente corrompida", e que existem "provas robustas de que foi missão do Comando Vermelho de favorecer a chapa de José Braga Barroso e Francisco Gardel nas eleições de 2024". Para o desembargador, diante desse "cenário abominável, de criminalidade, é evidente que o ambiente eleitoral ficou excessivamente nocivo naquele município, o que permite concluir que o pleito encontra-se viciado e totalmente divorciado do verdadeiro sistema democrático".

A Corte rejeitou, por unanimidade, o pedido da defesa de Braguinha para anular a sentença de primeira instância, que alegava cerceamento de defesa e incompetência do magistrado.

 

Provas Contundentes e um Cenário de Terror

Apesar das alegações da defesa de Braguinha sobre a ausência de "nexo de causalidade" e a escassez de provas, o procurador eleitoral Samuel Arruda rebateu veementemente, enfatizando que os fatos que demonstram uma eleição injusta e o abuso de poder por parte da chapa eleita são "notórios". "Diz que não teria havido nexo casual. Houve eleição justa? É isso que se precisa responder aqui. (...) Não houve, porque teve um candidato impedido de fazer campanha, notoriamente", pontuou Arruda, lamentando a "análise tardia" de um caso que, em sua visão, já deveria ter sido julgado em 2020, quando os primeiros indícios de atuação criminosa em Santa Quitéria começaram a surgir.

Braguinha e Gardel Padeiro não chegaram sequer a tomar posse. Eles foram afastados pela Justiça Eleitoral pouco antes da solenidade marcada para 1º de janeiro de 2025. Braguinha chegou a ser preso às vésperas de assumir a Prefeitura, que atualmente é ocupada por seu filho, Joel Barroso (PSB), presidente da Câmara Municipal. Braguinha chegou a cumprir prisão domiciliar, mas foi liberado posteriormente.

A ação que levou à cassação foi ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) em dezembro do ano passado. Entre as evidências apresentadas, destacam-se o depoimento de Tomás Figueiredo (MDB), adversário de Braguinha, que relatou dificuldades em realizar sua campanha e as ameaças diretas de membros do CV a seus auxiliares. A sentença de primeira instância, proferida pelo juiz Magno Gomes de Oliveira, da 54ª Zona Eleitoral, revela inclusive ameaças sofridas pela própria Justiça Eleitoral. Um integrante do Comando Vermelho teria ligado para o Cartório Eleitoral, ameaçando atacar a unidade e matar servidores caso as decisões judiciais contra os criminosos não cessassem.

Para o magistrado de primeira instância, mesmo que impossível quantificar o número exato de eleitores expulsos de Santa Quitéria antes do pleito, "a obstrução criminosa de um único eleitor já seria apta a viciar o resultado das urnas". Ele concluiu que "o direito ao exercício do livre sufrágio em Santa Quitéria restou sepultado a partir de incontáveis condutas de ameaças, coações e expulsões de eleitores", especialmente em bairros como Piracicaba e Pereiros.

As investigações não se limitam ao MPE. Há um inquérito em andamento na Polícia Federal (PF), que identificou Daniel Claudino Sousa, vulgo "DA30", como um emissário do alto comando do CV do Rio de Janeiro enviado a Santa Quitéria com a missão de coagir candidatos e eleitores. O inquérito da PF aponta que a organização criminosa "adotou a estratégia de demonstrar claramente ser contra o TOMÁS e prejudicar a candidatura deste, mas não deixar transparecer o apoio ao candidato JOSÉ BRAGA BARROZO, a fim de, obviamente, não levantar suspeitas, nem prejudicar o candidato que eles pretendiam beneficiar, sendo certo que em várias conversas do grupo, os integrantes do CV mencionavam o candidato a prefeito com a sigla 'BG'".

A cassação dos mandatos em Santa Quitéria serve como um alerta severo sobre a crescente infiltração de facções criminosas no processo eleitoral e a necessidade urgente de fortalecer os mecanismos de defesa da democracia. O que essa decisão representa para a segurança das eleições futuras no Brasil?

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