Uma semana após a inesperada incursão em território russo, as tropas ucranianas não apenas mantêm, mas também ampliam a área ocupada. A primeira invasão terrestre na Rússia desde a Segunda Guerra Mundial gerou surpresa e indignação no ditador Vladimir Putin, além de dispersão, confusão e desmoralização no Exército russo.
Esses impactos militares e políticos são claramente os principais objetivos do presidente Volodymyr Zelensky, que admitiu publicamente ter ordenado a invasão, e dos líderes militares ucranianos. Embora a Ucrânia não tenha intenções políticas nem condições militares para anexar território russo, a incursão provou ser um meio eficaz de conter a ofensiva russa por ar e terra.
O governador interino da região russa de Kursk, Alexei Smirnov, classificou a situação para Putin como “complicada”. Ele relatou que, nesta segunda-feira, os ucranianos controlavam 28 povoados após avançar 12 km dentro do território russo, abrangendo uma área de 40 km. A área ocupada inclui o terminal de Sudza, a 10 km da fronteira, crucial para o transporte de gás natural para a União Europeia – que está sob sanções desde a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022.
“Para nós, o problema é que não há um front claro, uma compreensão de onde as unidades de combate (ucranianas) estão”, alertou Smirnov. “É muito importante saber onde o inimigo está, e em que momento.” Essa habilidade de “cegar” as defesas russas pode ser o fator mais significativo da incursão ucraniana, além do impacto do efeito surpresa.
A incursão demonstrou que os russos não têm uma visão clara do que acontece do outro lado da fronteira, a ponto de a movimentação de centenas de soldados ucranianos ter passado despercebida. Isso também se deve à capacidade técnica dos ucranianos de explorar “buracos negros” no monitoramento russo e de embaralhar sinais eletrônicos dos drones de reconhecimento e dos sistemas de comunicação.
Após Kursk, os russos foram obrigados a retirar moradores de uma segunda região: Belgorod. “Tem sido uma manhã alarmante”, alertou o governador Vyacheslav Gladkov ao anunciar a retirada. De acordo com a agência oficial Tass, 11 mil pessoas foram deslocadas ontem. Segundo o comandante do Exército ucraniano, Oleksandr Syrskyi, suas forças ocupam 1.000 km² na região de Kursk.
Putin prometeu que as forças ucranianas serão expulsas e especulou que o objetivo dos inimigos é melhorar sua posição numa possível negociação para o fim da guerra.
Isso é possível. Mas, por ora, é seguro afirmar que os ucranianos encontraram uma tática eficaz para mitigar a superioridade numérica da Rússia em tropas, equipamentos e munição, bem como sua fragilidade estratégica, resultante da manutenção de sua presença e operações ofensivas ao longo de 1.000 km.
A ocupação das áreas pode não durar muito tempo. É provável que os ucranianos utilizem o que aprenderam nesta operação em futuras ações, explorando as falhas de prontidão das forças de defesa russas ao longo do front, forçando o inimigo a recuar de ações ofensivas para se reagrupar nas áreas atacadas.
Além desses aspectos militares, o ataque atinge Putin em sua principal credencial: a de ser supostamente o único líder capaz de proteger a Rússia de ameaças externas, muitas vezes imaginadas e provocadas por ele mesmo. O rublo caiu para seu valor mais baixo desde maio, chegando a 90,30 por dólar.
A desmoralização gerada pela invasão pode levar Putin a punir seus comandantes militares, incluindo o general Valery Gerasimov, chefe das Forças Armadas russas. Mais um ganho para os ucranianos.
A incursão fornece material para a propaganda de Putin, que alega que a invasão da Ucrânia foi necessária para prevenir ameaças do vizinho e do Ocidente. No entanto, Putin e seus assessores frequentemente não precisam de fatos para justificar suas ações.