Uma auditoria realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) revelou que R$ 5.092.925,88 de verbas destinadas ao financiamento de pesquisas do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp foram transferidos para Ligiane Marinho de Ávila, uma ex-funcionária da universidade que é suspeita de desviar fundos destinados aos estudos científicos.
O caso veio à tona em janeiro deste ano, após a Unicamp identificar transferências suspeitas provenientes das contas bancárias de pesquisas. Na ocasião, Ligiane foi demitida da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), onde estava lotada. Ela deixou o país em fevereiro.
Em contato com o g1, a defesa de Ligiane informou que teve "ciência sobre o inquérito policial em maio, mas não foi notificada para apresentar sua versão", e que a defesa "compareceu à delegacia para agendar seu depoimento, porém até o presente momento não fora marcada".
De acordo com o advogado Rafael de Azevedo, "o montante não consta na investigação" e "a defesa pretende esclarecer sobre toda a acusação assim que for marcada a oitiva de Ligiane".
Verbas de 36 pesquisadores
A Fapesp informou que os R$ 5 milhões foram transferidos de 75 destinações de verbas para 36 pesquisadores do IB diretamente para a conta da ex-funcionária. A Fundação comunicou o valor ao Ministério Público Estadual (MP-SP), que está investigando o caso tanto no âmbito cível quanto criminal.
No entanto, a auditoria da Fapesp ainda não foi concluída, e a fundação está avaliando qual parte dos R$ 5 milhões foi efetivamente desviado dos pesquisadores. Ligiane era responsável por operacionalizar o pagamento de serviços e compras no IB e, em alguns casos, fazia transferências para sua própria conta para "agilizar o trabalho".
Outra auditoria realizada pela Unicamp revelou que, do valor movimentado pela ex-funcionária, R$ 3,04 milhões não foram reconhecidos pelos pesquisadores como serviços realizados. O trabalho de análise da Unicamp também não foi concluído.
A Unicamp detectou pelo menos 220 transferências bancárias suspeitas feitas pela funcionária, com notas fiscais apresentando diversas justificativas, como compra, transporte e manutenção de equipamentos, além de desenvolvimento de softwares e sites.
A Promotoria de Justiça de Campinas expediu ofícios neste mês, concedendo um novo prazo para que a Unicamp e a Fapesp informem a conclusão de suas apurações internas e forneçam detalhes adicionais para a investigação.
O que diz a Fapesp?
Em declaração ao g1, a Fapesp confirmou que, com o avanço das apurações, constatou que valores em torno de R$ 5 milhões transitaram pela conta da funcionária da Unicamp suspeita pelos desvios. "Contudo, ainda não está claro qual parte deste montante foi de fato aplicada nos projetos de pesquisa e quanto foi desviado", explicou.
"Ao momento, uma auditoria detalhada está sendo conduzida para esclarecer a questão. Ao mesmo tempo, a FAPESP segue cobrando dos pesquisadores a prestação de contas documentada e os esclarecimentos pertinentes, que são de sua responsabilidade", afirmou a Fundação.
O que diz a Unicamp?
A Unicamp destacou que "os fatos estão sendo objeto de apuração em Sindicância Administrativa" e reiterou que "adotará todas as providências que se mostrarem cabíveis após sua conclusão".
Suspeita fora do país
Além do procedimento cível de improbidade, o caso também está sendo investigado criminalmente pela Polícia Civil, que apura o possível crime de peculato. O g1 revelou que Ligiane Marinho de Ávila informou à Polícia Civil que está no exterior e não tem data para retornar ao Brasil.
No Inquérito Policial (IP) que investiga Ligiane, o advogado da ex-funcionária solicitou que seu depoimento seja realizado por videoconferência. "Está em viagem para o exterior, sem previsão até o presente momento da data de retorno", disse o defensor à polícia.
O g1 apurou com uma fonte na Polícia Federal que a suspeita deixou o Brasil no dia 19 de fevereiro deste ano, um mês após os desvios terem sido descobertos. Ligiane viajou em um voo que partiu de Campinas (SP) com destino a Orly, na França.
A investigação sobre os desvios na Unicamp está sendo conduzida no 7º Distrito Policial de Campinas. Em contato com o g1, a Polícia Civil informou que o delegado responsável pelo caso já ouviu três suspeitos e está realizando diligências na cidade. "Demais detalhes serão preservados para garantir autonomia policial", disse a instituição.
A Unicamp afirmou que "os fatos estão sendo objeto de apuração em Sindicância Administrativa, sendo certo que adotará todas as providências que se mostrarem cabíveis após sua conclusão". A defesa de Ligiane não se manifestou até a última atualização desta reportagem.
Transferências para a própria conta
Das 220 transferências bancárias suspeitas feitas pela funcionária, a maioria, cerca de 160, foi direcionada para a conta da própria servidora. As demais foram feitas para duas empresas e duas pessoas físicas que também são alvos da investigação da Polícia Civil.